terça-feira, 10 de janeiro de 2012

MEU IRMÃO, WALDECY!


A vida não é novela, as coisas acontecem prá valer!
Sou privilegiado, nasci numa família cristã, trabalhadora, competente no que fazia, baseada no pai, na mãe e no filho mais velho. Uma família de 5 membros, dos quais, sou o menos importante, e, talvez por isso mesmo, sou quem deve contar parte da história, para quem tiver paciência para ouvir ou ler!
O que me move, ou, o que me parou quase definitivamente, nessa relação de blogueiro, foi a morte inesperada, do meu irmão mais velho, minha referência, um dos 3 nortes que tive nessa vida!
Existem, realmente, pessoas especiais que marcam nossa vida para sempre e ele era um desses.
Quem conhece a vida e seus provérbios, já ouviu falar: “ Irmão, não se escolhe, Deus define...”
O Espiritismo tem sua explicação, outras religiões também. Nascemos irmãos por afinidade, ou, por diferenças irreconciliáveis em outras vidas, a carga do Karma, que nos faria renascer nesse plano para ter oportunidade de corrigir falhas, que nos fariam crescer espiritualmente.
Mas na verdade, se eu pudesse ter escolhido, na minha reencarnação atual, como irmão, eu teria escolhido, Waldecy Inácio de quê? Nomes não importam ao espírito!
...E se puder escolher na próxima, já reservo o Wardé, na minha família, em qualquer posição!
Uma célula familiar, que começou com José e Waldomira, recebeu um dia Waldecy!
Imagine o Brasil da década de 1940, início de guerra, um país essencialmente agrícola. Pai e mãe mudando de localidade, adquirindo terras inóspitas, matas com maleita(malária) e outras doenças endêmicas, sem nenhuma assistência, onde só sobreviviam os mais fortes. Sem vacinas ou campanhas de prevenção, que sequer existiam nos melhores sonhos.
Era a construção desse país de hoje, cheio de orgulho para todos, cujo passado de sacrifícios é brutalmente criminalizado, por leis ambientais absurdas e por pessoas que usufruem daqueles sacrifícios, vivendo sem malária e outras doenças, extintas pela presença humana de seus compatriotas no passado.
PLUFT! Um dia nasci nessa família! Lembro de uma mãe cuidadosa e de um pai muito trabalhador e zeloso. E, também, de um menino gentil com seus irmãos, era ele! O Wardé...
Menino bonito, inteligente e de presença notável, nunca fez feio com as mulheres, que sempre lhe choviam no quintal...Primeiro motoqueiro da região, a bordo duma barulhenta Monark Jawa, mas não para fazer graça, e, sim, para estudar na vizinha cidade de Itumbiara-GO, para onde não existia transporte público.
Mas ele, que como eu, tinha nascido num ambiente agrícola, foi enviado para estudar em Uberaba, a maior cidade universitária, mais próxima. Jardineiras (espécie de ônibus da época) lentas e baldeações com trens Maria Fumaça, faziam parte do seu transporte para o conhecimento e progresso.
Eu, na criancice, via esse irmão, nas idas e vindas de Uberaba, que se preocupava comigo e trazia informações que eu nem desconfiava. Me apresentou as histórias em quadrinhos, primeiro com Pato Donald e Zé Carioca, depois Tarzan, Zorro, Fantasma e compania! Um dia apareceu Ziraldo e as Aventuras da Turma do Pererê. Dizia ele para mim:
-Branco(apelido que ele me deu), esses são os primeiros quadrinhos brasileiros, falam de coisas que eu e você conhecemos!
De fato! Até pouco tempo, em nossas conversas, ele lembrava de duas aventuras do Tininim( o índio da Turma do Pererê), que ele adorava repetir. Uma delas falava da passagem de ano novo, que o Tininim nunca conseguia ver, porque dormia antes da meia noite. E, Tininim, perguntava:- Como é a passagem de ano? Range? Troveja?
Outra que ele adorava, era a do Tininim com bicho de pé no dedo. Tininim se apresentava absorto, coçando o pé, sem ligar para que acontecia no mundo e toda a Turma do Pererê, preocupada, sem saber o que era e o que fazer para trazer Tininim de volta à realidade. Na verdade era aquela coceirinha gostosa do bicho de pé, que só um menino de fazenda sabia identificar e o Tininim ficava quase em transe com a coceirinha.
São coisas que só tinham graça e sentido, para quem veio do Brasil rural, de Monteiro Lobato, Tonico e Tinoco e dos programas da Rádio Nacional. Nada a ver com a”sertanejada de subúrbio” de agora!
Ele me apresentou ao rock. Um dia trouxe um disco do Elvis Presley. Colocou na vitrola( toca discos vinil) de alta fidelidade, que tinha convencido nosso pai a comprar. Uma vitrola Phillips, cujo toca discos era automático, suportando 10 lps amontoados, caindo um após o outro e ainda retraia o tocador como fazem os tocadores de cd dos computadores de hoje! Se vc pensa que isso é novidade, esqueça... Na capa do disco, Elvis de topete brilhantinado, fazendo pose com um baita violão!
E não foi só o rock, mas a boa música em geral. Ray Coniff, Sinatra, Romanticos de Cuba, etc, e as trilhas sonoras de filmes. A trilha do filme “ Canhões de Navarone”, tocava na vitrola, acompanhados de uma sinopse tão detalhada que ele fazia, que eu conseguia imaginar as cenas do filme. E, ele, ainda antevia a transmissão de TV para todo o país, dizia:
-Branco, não demora muito, vamos ver TV aqui na fazenda, ali no lugar da vitrola, espere para ver!
E assim foi, pouco mais tarde!
Se você acha que era uma época de poucos recursos comparada com a atualidade, e, realmente era, não sei te falar da infância de Waldecy, mas imagino que eram muito menos, porisso ele fazia questão de trazer as novidades para mim, compensando suas privações infantis.
Esse era o cara que eu respeitava, admirava e amava. Meu pai e minha mãe, pronunciavam o nome dele de maneira peculiar, na forma européia, portuguesa: WaLdecy, com som de éle, e, não como pronunciamos: WaUdecy, com som de U! Fico danado de pronunciar ele com som de u, culpa da escola, porque não fiquei com a forma caseira: “Éle se pronuncia com som de Éle!”...WaLdecy, diria sêo Zequinha!
Ele tinha um papel de destaque, na família. Tudo que requeresse um conhecimento elevado, Sêo Zequinha, reservava para o WardÉ, a quem, só ele e Dona Waldomira, podia se referir como o DÉ, tirado de WalDÉcy:
-“Eu não sei nada disso, mas quando o DÉ vier de Uberaba, vou pedir prá ele investigar!”- dizia meu pai.
E nessa linha, o DÉ virou meu padrinho de batismo, convidado pelo meu pai, que não o tratava apenas como filho, mas o tinha como sábio conselheiro. Talvez isso explique, o carinho especial que ele sempre me dedicou. Para quem desconhece, na religião católica, o padrinho de batismo, é o pai substituto. Ele foi isso para mim, por toda a vida!
Um dia, o Wardé, chegou com um presente, o primeiro livro que ganhei na vida, que tenho até hoje: se chamava, “ Cazuza”, de Viriato Corrêa, contava a vida de um menino de fazenda como eu e ele.
Assim, toda minha formação cultural, de literatura, música, e cinema, teve a influencia dele, riqueza intelectual que ninguém pode tirar.
Nunca vi esse cara se revoltar contra as dificuldades, pelo contrário, sempre tomava a frente e resolvia as questões. Foi obrigado a trancar sua matrícula no segundo ano de Engenharia Civil, por causa de problemas que meu pai teve certa época. Voltou para a fazenda, ajudou resolver tudo e retomou sua matrícula na Faculdade de Engenharia do Triangulo Mineiro, em Uberaba, onde se graduou em 1968.
Foi o ápice da sua paixão, recíproca, pela sua Linda, esposa com quem dividiu daí prá frente sua vida. Lembro que, nessa época, as cartas eram o meio de comunicação mais usado, e, quando chegavam cartas da Linda prá Waldecy, na República Viet Não, em Uberaba, onde morávamos, o destino da carta era o congelador da geladeira, para esfriar os calores daquela paixão invejável!
Eu tive, em algum tempo, uma queda por medicina, mas resolvi ser engenheiro civil por causa do meu bróder Wardé, que eu via trabalhando na profissão, e, sempre que era possível, me levava nas obras que tocava. Acho que ele queria que eu fosse engenheiro!
Dizia:- “Branco, o cara que se forma em engenharia pode fazer qualquer coisa na vida. Se resolver ser padeiro, vai ser o melhor!’
Quando nasceu, sua primeira filha, ele me surpreendeu:
-“Branco, quero que você seja o padrinho de batismo da minha filha!”
Orra, que honra para mim! Ele me dava a oportunidade de poder retribuir um pouco de tudo que ele tinha feito por mim, numa vida inteira. Assim, me tornei padrinho da Tatiana, aquela que mais se parece com ele na personalidade.
Gostava de comer peixe frito com vinho tinto, aqui em casa. Boas Lembranças! Um dia, apesar de ter um peixe garantido no congelador, o convidei para comer um peixe frito, mas com a condição(de araque) de que ele teria que pegar o peixe, ou nada feito! Fomos para o lago, onde crio os peixes, e o desafiei a jogar a linha! Ele, um pescador inveterado, não se fez de rogado.
Lançou a linha, e, imediatamente, uma caranha de uns 15 kilos pegou o anzol. A linha cantava, esticada, a vara vergada em U, o Wardé agarrado com as duas mãos na vara, adrenalina lá em cima, não me escutava dizer: - “Dá linha Wardé, senão arrebenta!”
Não deu outra: a linha arrebentou e ele ficou só com a vara de pescar na mão e a exclamação: “ Esse era grande!” Mas comemos o peixe que já estava garantido e a frustração da pescaria virou conversa para animar a vida.
Apesar de não ter sido sua última visita aqui em casa, me marcou sua última vinda para comermos um peixe. Veio junto com suas filhas, Tatiana e Thaine. Comeu muito bem, conversou, ouviu música e falou com meus filhos. Analisou, pormenorizadamente, os desenhos da Maíra e decretou: “ Muito bom!”
Até os desenhos infantis da Amayi, representando as primas, o interessaram: “ Olha só, Amayi, estão todas aqui. Muito bom!” Falamos de boa música, ouvimos, conversamos, fofocamos, e, não tiramos nenhuma foto. Que pecado!
E foi embora, deixando combinado outro retorno para mais um peixe frito. Nem eu e nem ele, sabíamos que aquele seria último!
Eu já tinha perdido mãe e pai, minhas referencias, agora perdi minha última grande referencia na travessia desse grande Vale de Lágrimas.
Me lembro todos os dias dele, e, choro, quando me vem a lembrança. Sei que sua presença na minha vida temporal, nessa existência, foi por afinidade espiritual e que voltaremos a nos encontrar novamente.
Lamento profundamente, ter chegado 20 minutos após sua internação, ainda consciente, nunca perdoarei o hospital, por mais razões que apresentaram, que me impediu de vê-lo e falar com ele. Mas por um lado, a última imagem que tenho dele é saudável, respirando, conversando e ainda sonhando com projetos a realizar. Aliás a figura que me vem na mente, dele, nem é atual, mas aquela de 1968, o galã bonitão de Uberaba!
Vou seguindo a vida e cumprindo meus passos, como deve ser com os espíritos encarnados. Tenho coisas a fazer aqui, e vou cumpri-las. Mas, sentindo uma grande falta!
Por maior que seja a saudade, desejo que ele se desprenda gentilmente desse mundo e siga seguro e em paz seu bom caminho, com a benção de Deus!
Daqui, desse Vale de Lágrimas, peço sua benção, meu Padrinho!
(De Waldeir Inácio Ferreira, afilhado de Waldecy.)