Enganam-se os que pensam que a fartura comum às mesas de fim de ano envolve apenas ingredientes calóricos, gordurosos, cremosos ou doces demais. Quem garante é Isabel Correia, cirugiã geral, professora da Escola de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e doutora em nutrição clínica. Além dessas credenciais, a angolana radicada no Brasil há 35 anos também é uma especialista na arte da boa mesa, com direito a diploma de pós-graduação na Cordon Bleu de Paris, uma das mais conceituadas escolas de gastronomia do mundo. A partir da especialização, tornou-se chef da Bulles, champanharia e bistrô recém-inaugurado em anexo à Maison Patachou, no Bairro Funcionários. Nos intervalo da rotina médica, ela cria o cardápio e comanda a cozinha da casa, que serve duas opções de almoço executivo de segunda a sexta-feira e petiscos no happy hour, sempre com foco na gastronomia saudável.
Fiel ao seu estilo, Isabel sugere um conceito diferente para a ceia de Natal, que pode e deve ser rica, mas também nutritiva e balanceada. Dicas são o uso de ingredientes coloridos e in natura, além da mistura de matérias-primas tradicionais da época, como frutas secas, com produtos made in Brasil: maracujá, abacaxi e banana, entre outros.
O resultado é um banquete vistoso, mas que também de fácil digestão e com pitadas de bem-estar. “Os ingredientes usados nas receitas são ricos em fibras (frutas), cálcio (queijo de minas) e minerais (nozes)”, explica. “Também é boa ideia servir farofa de maracujá no lugar do arroz, o que diminui o consumo de carboidrato em um período no qual a comilança é geral.”
Cirurgia e nutrição
A união de duas profissões tão distintas ocorreu naturalmente na vida de Isabel. A paixão pela gastronomia vem da infância, da curiosidade em torno dos preparos feitos na cozinha da família. Mais tarde, aprendeu técnicas na lida, a partir da necessidade de preparar a própria refeição. Já à medicina ela chegou por força do destino. “Viemos para o Brasil fugidos da guerra civil de Angola. Queria mesmo ser diplomata, mas não consegui, por ter ficado um tempo sem pátria. Não era naturalizada brasileira e não queria me transferir para Portugal, devido à situação política da época”, lembra.
Já formada e ambientada na carreira médica, Isabel começou a pesquisar sobre nutrição clínica. Defendeu mestrado e doutorado e sua tese acabou transformando a realidade de todos os pacientes do país no quesito terapia nutricional. “Conduzi o maior estudo de desnutrição clínica do mundo e, a partir dele, o Brasil normatizou a nutrição hospitalar.” A opção pelo curso de pós-graduação altos estudos do gosto, da gastronomia e das artes da mesa na Cordon Bleu surgiu como um hobby. “Mandei meu currículo, mesmo sem estar diretamente ligada à área, e fui aceita. Mais tarde, soube que me admitiram por eu ser professora, na expectativa de receber o aval de uma pesquisadora, de uma cientista.”
Difundida a tese, Isabel passou a ser convidada para participar de congressos internacionais. Com cerca de 60 viagens no currículo, uniu o útil ao agradável, aproveitando a oportunidade para conhecer novos ingredientes e sabores e praticar seu lado voyeur em cozinhas do mundo todo.
De um reencontro com a amiga Sandra Pires, proprietária da grife mineira Patachou, surgiu a ideia da sociedade para montar a Bulles. A casa funciona há cerca de um mês em um anexo da maison da Rua Maranhão, no Bairro Funcionários, com capacidade para 24 pessoas. O cardápio, sempre focado na gastronomia saudável, varia de acordo com a oferta de ingredientes. “Não posso e nem quero deixar minha rotina como médica, mas há tempos pensava em trabalhar também com gastronomia. Nesse sentido, a novidade veio a calhar”, conta.
Com a oferta de almoço executivo diariamente – duas opções de entrada, prato principal e sobremesa –, a chef e médica define o que entende por culinária saudável: “Uma dieta balanceada. Grosso modo, envolve ingredientes de cores distintas, o que indica variedade, além de produtos o mais in natura possível, característica que conserva os nutrientes de frutas, verduras, legumes”. Outra regra é jamais usar óleo no preparo da refeição e nem incluir frituras: “Os alimentos são cozidos na própria gordura”. Isabel indica ainda o consumo de pelo menos três porções de fontes de fibras, vitaminas e sais minerais diariamente, geralmente em forma de frutas ou sucos. “As fibras presentes nas frutas diminuem a absorção de gordura pelo organismo, o que é ideal principalmente no fim de ano, quando há muita oferta”, diz. E prega o consumo comedido: “Uma grande quantidade de azeite também é calórica”, alfineta.