sábado, 2 de julho de 2011

O ROLO PÃO DE AÇÚCAR/CARREFOUR

de Veja On Line

"Se houve participação da presidente, o caso é ainda mais grave"

Segundo o economista Sérgio Lazzarini, prova de que houve ingerência política tornaria indefensável o evolvimento do BNDES na fusão de Carrefour e Pão de Açúcar, que já carece de embasamento técnico.

O aval da presidente Dilma Rousseff para o aporte de 1,7 bilhão de euros do braço de participações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o BNDESPar, à proposta de fusão entre Pão de Açúcar e Carrefour, coloca novamente a atuação do banco em xeque. Não bastasse a atuação questionável do BNDES ao auxiliar uma operação privada, sem nenhum retorno social e fora de qualquer setor estratégico para o país, a decisão ainda teve cunho político. Abílio Diniz – grande amigo da presidente Dilma, como ela mesma afirmou em discurso, e personagem central da operação– é um claro exemplo de como uma parcela do empresariado tem convidado o estado a se imiscuir no setor privado. “É uma tendência forte no Brasil haver uma movimentação empresarial influenciada pelo governo”, afirmou ao site de VEJA o economista do Insper Sérgio Lazzarini, autor de Capitalismo de Laços, livro fundamental para compreender a peculiar imbricação entre os setores público e privado no capitalismo brasileiro. Em seu estudo, Lazzarini relata as principais operações que contaram com auxílio público e explica como governo e empresariado se relacionam politicamente. Sobre o banco de desenvolvimento, o economista escreve: “As participações do BNDES continuam sofrendo críticas porque falham em demonstrar os benefícios (em comparação aos custos) de seu envolvimento em consórcios e grupos. Vale a pena fazer essas alocações, dadas as inúmeras necessidades da economia brasileira?”

Qual recado o envolvimento da presidente Dilma Rousseff na proposta de fusão entre Pão de Açúcar e Carrefour passa para o mercado?

Se a participação da presidente for confirmada, configura-se um problema muito grave. O BNDES, como órgão técnico, tem de ter autonomia para julgar quais são as melhores alocações, e não atuar por determinação da Presidência. O banco existe para executar políticas de investimento que tragam benefício para o país. Não é isso que está acontecendo quando se analisa essa proposta.

Quais são os principais problemas da entrada do BNDES nessa operação?

Posso resumir em quatro. Primeiro, ele irá estimular a concentração setorial. Em diversas microrregiões, o consumidor poderá ter menos opções de compra. Em segundo lugar, nós estamos em um momento de controle inflacionário, e o governo vai apoiar uma negociação que poderá desestimular a competição em muitas regiões, o que pode gerar aumento de preços. Tem também a questão da análise antitruste. Como o BNDES vai investir em uma operação que ele não sabe se será aprovada pelo Cade? O negócio poderá ter muitas restrições e isso poderá tornar o investimento desinteressante após o julgamento do órgão. E, por fim, o banco irá se envolver em uma história séria de conflito societário. É uma operação polêmica e que foi descoberta de forma conturbada. Como um banco de desenvolvimento social vai dar aval para isso? Se fosse um fundo privado, tudo bem. Mas sendo um fundo de participações público, não faz sentido.

Não há sentido nem mesmo na ideia de criar um campeão nacional de varejo?

Nenhum. O varejo é um setor muito peculiar e regionalizado. O Walmart e o Carrefour, por exemplo, são muito grandes em seus países, mas têm dificuldades em diversos locais, como a Ásia, por exemplo. Então a internacionalização do Pão de Açúcar não justifica nada. É um contrassenso. Não há benefício visível nessa alocação do governo.

A operação para criar o Novo Pão de Açúcar pode ser considerada um exemplo prático de “capitalismo de laços”?

Sem dúvida. Há uma tendência de movimentação do governo para fazer a junção de grupos privados e criar “campeões nacionais” com capital público, por meio do BNDES ou dos fundos de pensão. Isso não é novo, mas tornou-se mais frequente.

Essa tendência remonta a quando?

Já na época das privatizações, na década de 1990, houve uma interação muito grande do governo com o setor privado, por meio dos fundos de pensão, para concessões e leilões nos setores de telefonia e energia, por exemplo. Contudo, não havia esforço para consolidar setores da economia, como houve nos últimos anos nos casos de VCP e Aracruz, de Sadia e Perdigão, e agora com essa possibilidade de fusão entre Pão de Açúcar e Carrefour.

Qual é a principal diferença entre os dois modelos?

A articulação política tanto nas privatizações quanto nessas investidas no governo via BNDES recebeu críticas. A diferença é que, quando os veículos de investimento são os fundos de pensão, que controlam o dinheiro de funcionários e ex-funcionários das estatais, o objetivo de investimento é claramente obter lucro. Não há nenhum objetivo de fomento social. Já com o BNDES, é diferente. É o dinheiro público que está em jogo e é preciso haver uma razão muito específica para explicar o aporte. Faria mais sentido, por exemplo, o BNDES investir na Embraer para torná-la uma referência mundial em tecnologia no setor de aviação e defesa.

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