O Globo
Caso raro no país, o processo de um crime cometido no mundo da política por colarinhos brancos, o mensalão, começa a chegar à fase final.
Não foi um crime qualquer, pois envolveu o PT, partido do então presidente Lula, teve a participação do ministro forte naquela gestão, José Dirceu, chefe da Casa Civil, implicou parte da cúpula do partido e de legendas aliadas. Não se tem notícia de um delito com tantos coniventes na vida pública.
A denúncia do esquema, feita por um contrariado participante dele, Roberto Jefferson (PTB), em entrevista à “Folha de S.Paulo”, em 2005, deflagrou, como esperado, um intenso fogo de barragem de negativas.
O presidente Lula, tonto nas redes, chegou a admitir o dolo dos companheiros e aliados, em pronunciamento público, ao se declarar “traído”. Teria até havido sondagens à oposição para evitar uma CPI em troca do compromisso do presidente de não tentar a reeleição.
Depois, sentindo-se mais seguro, Lula passou a negar o mensalão, seja peremptoriamente ou em tentativas de desqualificar o crime, com o argumento risível de que “recursos não contabilizados”, eufemismo para caixa dois, todos os partidos utilizariam. Nivelou por baixo.
Houve até quem acusasse uma tal de “imprensa golpista” pelo fato (?!).
Mas, no início de 2006, o então procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, sustentou no Supremo Tribunal Federal a denúncia contra os 40 ligados à “organização criminosa” do mensalão. A posição foi aceita pelo relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, e referendada pela Corte.
José Dirceu é considerado, no parecer do Ministério Público federal, chefe da tal “organização”, da qual fazem parte Delúbio Soares, o tesoureiro do partido implicado no esquema, José Genoíno, presidente da legenda à época, Valdemar Costa Neto (PR), personagem hoje no escândalo do Ministério dos Transportes, entre outros.
O procurador-geral e a maioria dos ministros do Supremo concordaram com a existência de dolo na montagem, por Marcos Valério, com o conhecimento do partido, de uma lavanderia de dinheiro sujo, público e privado, para comprar o apoio parlamentar ao governo Lula e ajudar aliados em campanha.
Petistas continuaram a negar o mensalão, para consumo externo, tanto que receberam Delúbio Soares de volta aos quadros do partido, com pompa e homenagens.
Na quinta-feira, todos tiveram mais um baque: o atual procurador-geral, Roberto Gurgel, prosseguiu o trabalho do antecessor Antônio Fernando, enquadrou 36 daqueles em artigos do Código Penal e encaminhou o relatório ao ministro Joaquim Barbosa, responsável pelo voto final a ser julgado na Corte.
Começa a chegar ao fim um processo histórico. Não é sempre que o Ministério Público, a Polícia Federal e a Justiça são obrigados a trabalhar, em nome do Estado e da sociedade, na investigação de pessoas tão ligadas ao poder. E até aqui fazem um trabalho meritório.
Não importa se está em xeque um esquema político que governa com ampla popularidade. O processo do mensalão tem servido para consolidar as instituições da democracia representativa, e distanciar o Brasil cada vez mais de uma América do Sul que, em parte, ruma para o passado de regimes populistas e autoritários.
Que continue assim até o veredicto final.
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