segunda-feira, 11 de abril de 2011

CEM DIAS DE IRRITAÇÃO

Danuza Leão, Folha de S. Paulo

Aos cem dias do governo Dilma é impressionante o número de vezes em que saiu na imprensa "Dilma se irritou", "Dilma ficou irritada".

A presidente sempre teve fama de geniosa, mas foram tantas as ocasiões em que seu temperamento virou notícia que não dá para acreditar. É bom que ela seja sóbria e fale pouco, o que está sendo um alívio geral.

Mas só assim, de memória: Dilma se irritou quando houve o apagão; se irritou com uma tradutora em NY; se irritou com Henrique Meirelles porque ele teria divulgado que imporia condições para ficar no Banco Central; se irritou quando, durante a campanha, foi questionada sobre a volta da CPMF e sobre o aborto; se irritou com a assessoria quando trocou o nome de uma cidade do Nordeste.

Essas são apenas algumas das irritações públicas, imagine as privadas.

Lula falava muito, mas só sobre o que queria; não disse nem vai dizer uma só palavra sobre os passaportes especiais concedidos à sua família ítalo-brasileira.

Já o estilo de Dilma é confortável. Como fala pouco, não precisa explicar os gastos dos cartões corporativos da Presidência, que aumentaram 82% em apenas cem dias, nem as ações do Ministério da Pesca, minha grande curiosidade há anos. Quais estarão sendo os feitos de Ideli Salvatti?

Quem trabalha para o governo não pode piar, pois algumas das irritações presidenciais acabaram em demissão ou em não nomeação - de quem a irritou, é claro.

Dilma e Lula não são iguais, mas um traço de seus perfis é parecido: eles não se esquecem dos que, em algum momento, discordaram de seus pensamentos, e esperam a hora para dar o troco.

Quando ela chega, é quase como dizia Maquiavel: a bondade deve ser feita aos poucos, a maldade, de uma vez só. Quase: a diferença é que para os amigos, aliados e correligionários, a bondade é tão grande, que basta uma (para cada).

Será que existe no fundo, lá no fundo, um espírito de vingança? Seria um absurdo achar que Dilma tem, em seu caráter, traços ditatoriais - logo ela, que tanto sofreu com a ditadura militar. Mas dentro de um contexto humano, é compreensível que ela se comporte, agora, um pouco como os militares se comportaram. Eles achavam que podiam tudo, agora é ela quem (acha que) pode tudo; faz sentido.

Às vezes sua vontade - ou a do seu partido, não sei - extrapola o aceitável quando se fala de uma democracia plena.

Brizola - lembra dele, presidente? - disse, na primeira posse de Lula: "isso vai ser uma ditadura stalinista".

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