sexta-feira, 25 de novembro de 2011

BELO MONTE DE BESTEIRAS GLOBAIS


de Reinaldo Azevedo

Vocês sabem muito bem o que penso sobre o governo do PT, petistas e congêneres. Vivo aqui fazendo as contas de todas as promessas que a presidente Dilma Rousseff não vai cumprir: creches, UPAs, UBSs, quadras nas escolas, casas… Mais ainda. Fui crítico do rumo que tomou o leilão e o financiamento da usina de Belo Monte. Aqui está apenas um dos textos que escrevi a respeito. Ao exigir um preço muito baixo para o megawatt-hora, o governo Lula — e a área estava sob o comando da então ministra Dilma — espantou o capital privado, e, na prática, o Tesouro acabou assumindo encargos e riscos excessivos. Muito bem! Essa é uma crítica procedente. E não é só minha. Considerar, no entanto, que a usina é desnecessária ou que o Brasil não pode mais fazer hidrelétricas, aí não dá! Aí estamos diante de uma estupidez que vai além do aceitável!

Todos vocês conhecem o vídeo — uma cópia esfarrapada e apenas mais ou menos assumida de uma campanha surgida nos EUA em defesa do voto (já chego lá) — em que alguns atores globais falam sobre a Usina de Belo Monte e tentam convencer o público de que ela é uma desnecessidade. Fosse eu outro, embarcaria na onda. Poderia pensar: “Como o governo não vai mesmo voltar atrás, esses artistas acabam colaborando para dar uma queimada nos petistas; não gosto deles. Tudo o que é contra o PT me serve!” Mas eu não entro nessa, não! Quando gosto, digo “sim”; quando não gosto, digo “não”. NEM TUDO O QUE NÃO É PT ME SERVE. Há obscurantismos maiores e potencialmente mais perversos no Brasil. A nossa sorte é que não são ainda tão articulados. E o “marinismo” — sim, derivado de Marina Silva! — é um deles.

Nunca antes na história destepaiz tantas bobagens, mentiras, parvoíces, sandices e vigarices intelectuais foram articuladas em meros cinco minutos! É uma coisa espantosa! É claro que todos aqueles “bacanas” estavam ali exercendo o seu ofício, por mais “engajados” que estejam. Falavam um texto sei lá escrito por quem. A direção é de Marcos Prado, produtor de Tropa de Elite e integrante de um tal movimento “Gota d’Água”, que responde pelo trabalho. Um dos líderes é um ator chamado Sérgio Marone, que também atua. Não sei quem é nem fui atrás de saber.

Maitê Proença, essa eu conheço, já tirou o sutiã, estou certo, por melhores motivos. Eu vou fazer aqui uma continha que talvez a deixe um tanto constrangida. Um dos atores — não sei o nome; era o irmão mais chato da novela chata do Gilberto Braga — diz com aquele ar severo e desafiador de Hamlet diante do usurpador do trono: “A usina de Belo Monte vai alagar, inundar, destruir 640 quilômetros quadrados da Floresta Amazônica”. Pois é…

Por que Maitê deveria ter ficado com o seu sutiã, ao menos nesse caso? Prestem atenção. A Floresta Amazônica toda tem 5,5 milhões de km², 60% dos quais no Brasil (3,3 milhões de km²). Logo, aqueles 640 representam 0,012% do total da floresta e 0,019% da parte brasileira. Vou ter de ser didático. Digamos que Maitê pese 58 kg: 0,019% do seu peso corresponde a 0,01102 kg — seu sutiã é muitas vezes mais pesado. Não sei quantas porque ignoro o peso da peça. Nunca o vi por esse ângulo. Aliás, associado a uma hidrelétrica, também é a primeira vez. Digamos que Marcos Palmeira pese 70 quilos; no seu caso, aquele 0,019% corresponde a 0,0133 kg. Uma de suas orelhas, dada a comparação, equivaleria a muitas usinas de Belo Monte…

Ator, cineasta, malabarista… As pessoas são livres para dizer o que lhes der na telha. Quando, no entanto, fazem um trabalho como esse porque se sabem figuras públicas e pretendem interferir no comportamento das pessoas, aí não podem mentir. Ou até podem. Mas têm de ouvir o contraditório e se explicar. A usina não vai desalojar índio nenhum! Isso é uma grande falácia, usada para mobilizar personalidades internacionais para a causa. Haverá, sim, populações ribeirinhas, mas não indígenas, que terão de sair de algumas localidades. Desde que sejam reassentadas com dignidade, a chance de que a vida delas melhore, já que vivem no abandono, é gigantesca. Sem contar que a Constituição e as leis democráticas consagram o direito que a sociedade tem, por meio de seus orgãos de representação, de fazer desapropriações.

O que mais impressiona nesse vídeo cretino é que, notem!, ele não é contra apenas Belo Monte em particular. É contra a energia hidrelétrica como um todo!!! O fanático que redigiu o texto descobriu que ela também é uma energia suja. E aí vem aquele que, pra mim, é o grande momento. Ainda de sutiã, Maitê Proença faz um ar sábio, de quem estudou profundamente o assunto, e indaga: “De onde tiraram essa idéia de que hidrelétrica é energia limpa?” Huuummm… Ela parece saber mais do que nós. Um dos filhos de Chico Anysio, também não vou pesquisar qual, sei que é humorista, faz o contraponto, o bobo, o ingênuo, e diz: “Energia elétrica é energia limpa; é muito melhor que usina nuclear e carvão”. Bem, é mesmo! Mas não no vídeo! Então Letícia Sabatella assombra o mundo: “Seria energia limpa se fosse no deserto, mas na floresta?”

Heeeinnn??? Quer dizer que energia hidrelétrica só seria limpa se fosse produzida no deserto? Fico aqui a imaginar um rio Xingu ou o Amazonas cortando o Saara. Suspeito que deserto não seria, não é mesmo? Parece piada! Mas eles estão falando a sério! Depois engatam a defesa das energias eólica e solar como se tais projetos fossem financeiramente viáveis no médio prazo ao menos e pudessem mesmo gerar a energia de que o país precisa. Uma coisa é desenvolver fontes alternativas no terreno ainda da pesquisa e da experimentação e buscar modos de torná-las viáveis economicamente. Outra é considerar que elas podem ser uma matriz energética. Qual é a hipótese desses gênios? O mundo ainda não é movido a vento por quê? “Por causa dos grandes interesses”, logo responde o dublê de ator e pensador. Sei. E por que não haveria “grandes interesses” nos ainda caríssimos aerogeradores???

Um terço da capacidade?
A mais desonesta de todas as críticas é a que sustenta que a usina vai gerar apenas “um terço de sua capacidade”, conforme diz um dos ignorantes convictos, também não sei quem. Ai, ai… Assim será porque se decidiu fazer a usina pelo sistema fio d’água, sem reservatório, justamente para diminuir o impacto ambiental, o que já é temerário. Belo Monte terá capacidade para produzir até 11.233 MW, mas vai gerar, na média, 4.571 MW médios. Por quê? No período chuvoso, funcionará com potência máxima; na seca, cairá para 690 MW por causa justamente da falta de reservatório.

SE HÁ ALGUMA ESCOLHA ERRADA EM BELO MONTE, E HÁ, ELA ESTÁ JUSTAMENTE EM TER CEDIDO À PRESSÃO DOS AMBIENTALISTAS ALOPRADOS. Olhem aqui: ainda que Belo Monte alagasse uma área 20 vezes maior (11.280 km²) — fazendo, pois, o reservatório —, isso corresponderia a 0,34% da parte brasileira da Floresta Amazônica. Se Letícia Sabatella pesa 57 kg, um alagamento de Belo Monte 20 vezes maior corresponderia a 0,19 kg do seu peso. Seu cérebro consegue ser bem mais pesado do que isso… Será que essa gente tem noção da besteira que está falando ou acha que matemática é coisa de reacionários que não gostam do meio ambiente?

Mesmo com Belo Monte, Jirau e Santo Antônio produzindo, mas sem os reservatórios — para proteger os bagres da Maitê, da Sabatella e da Marina —, o Brasil passa a correr riscos no período de secas e terá de recorrer, sim, a sistemas de emergência, como termelétricas, por exemplo. Vale dizer: o país já deu atenção demais aos bagres e atenção de menos às pessoas.

A falácia do preço
Outra coisa ridícula é essa história dos R$ 30 bilhões. Sim, eu fui um dos grandes críticos do peso excessivo que o Estado vai ter na construção de Belo Monte. Lá está o link. No arquivo, há outros textos. A iniciativa privada deveria estar bem mais presente. Mas daí a tentar provocar a indignação com essa coisinha estúpida: “É o seu dinheiro! Dos impostos!” Certo, especialistas! E a energia será gerada para quem? Para os marcianos? Quem será o beneficiado?

Artista pode falar. Não há lei que proíba. Mas também não há lei que os impeça de estudar, de se informar, de fazer conta, de ter senso de ridículo. Notem o arzinho enfatuado com que se dirigem ao público, com pose de especialistas. Murilo Benício, com a sua habitual cara de quem acabou de acordar, diz, com laivos de ironia sonolenta, que “índio quer educação, conforto…” E não quer??? Ary Fontoura faz blague: “Índio precisa de antibiótico”. Por quê? Não precisa??? Ciça Guimarães, na linha “a loura tonta”, pergunta: “Ainda tem índio no Brasil?”

Tem, sim, minha senhora! Proporcionalmente, eles são donos da maior fatia do território brasileiro. Correspondem a 0,7% da população brasileira (isso porque mais gente passou a ser “índia” depois das dermarcações) e tem sob seu domínio, hoje, 13% do território do país. Eu tenho a certeza absoluta de que todos ali, sem exceção, ignoram esses dados. Eu tenho a certeza absoluta de que todos ali, sem exceção, ignoram que o Brasil, se crescer de forma sustentada a 4,5%, 5% ao ano (e, para reduzir a pobreza num ritmo mais acelerado, seria preciso mais do que isso), corre o risco de sofrer apagões. Apagões que punirão os pobres, não os bacanas da TV Globo (volto a esse particular no encerramento do texto).

Plágio
O vídeo é um plágio admitido, mas não com a devida ênfase, do projeto Five Friend - Vote, produzido por Leonardo DiCaprio e dirigido por Steven Spielberg em outubro de 2008. Caprio, aliás, já se prontificou a gravar um vídeo contra Belo Monte. SABE TUDO A RESPEITO!!! Naquele caso, pedia-se a adesão de cinco pessoas; os nossos atores pedem de 10. Nos EUA, vá lá, tratava-se de convencer as pessoas a comparecer às urnas — num país onde o voto não é obrigatório. No caso de Belo Monte, a história é um pouquinho diferente. Vejam, se quiserem, a realização da idéia original.

Há, como se vê, uma diferença entre o engajamento em favor do voto e uma campanha que tem, evidentemente, um sentido político, com óbvio viés ideológico. O “marinismo” é alma desse troço, como era daqueles outros vídeos contra o Código Florestal — com o mesmo rigor científico, diga-se. Nesse caso em particular, queira ou não, a Globo, que põe no ar todos os dias esses rostos, acaba comprometida com a causa que seus astros abraçam. É inevitável! “Ah, eles podem dar a opinião que quiserem como cidadãos”. Huuummm. Cidadãos tentam convencer as pessoas com argumentos, não com a força de sua popularidade. No caso, essa popularidade foi conquistada não exatamente porque esses astros sejam notórios por seus conhecimentos na área de energia elétrica, meio ambiente e… matemática, não é mesmo? Faces identificadas com a emissora, há que se lembrar o seu compromisso com a verdade.

É isso. Letícia Sabatella continua a perturbar o meu juízo: “Hidrelétrica seria energia limpa no deserto“. Ela deve ter querido dizer alguma coisa, cujos sentido me escapou. E isso sempre me deixa muito perturbado…

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