quarta-feira, 2 de novembro de 2011

GOVERNO BIZARRO



O Globo




Algo parecia não fazer sentido na saída festiva de Orlando Silva do cargo de comissário-mor do PCdoB no Ministério do Esporte, substituído, por evidências de corrupção, pelo deputado Aldo Rebelo, do mesmo partido.
A despedida, convertida em ato de desagravo a Orlando Silva, não tinha características de desfecho de uma crise em que o ministro ficou mais do que exposto — tanto que saiu —, ao não conseguir responder às denúncias de uso de ONGs para surrupiar dinheiro do contribuinte e transferi-lo ao caixa dois partidário e/ou de pessoas físicas.
Tratado como se tivesse sofrido grande injustiça, Orlando Silva chegou a merecer palavras especiais mesmo de quem achou que ele não poderia continuar, a presidente Dilma Rousseff. “Orlando Silva não perde meu respeito...” Mas preferiu afastá-lo, por ele não ter conseguido impor uma “agenda positiva”.
Era mesmo impossível ofuscar a “agenda negativa”. O escândalo começou — como costuma acontecer em tramoias nos subterrâneos da política — com um dos beneficiários de desvios milionários do Programa Segundo Tempo, o ex-PM e ex-militante do PCdoB João Dias, também dono de ONG, sentindo-se traído.
Desgostoso, denunciou o esquema à revista “Veja”, no qual haveria o envolvimento direto de Orlando Silva.
Alguns dias de atenção da imprensa profissional sobre a plantação de ONGs em torno do Esporte descerraram um cenário de grande falta de cuidado na liberação de recursos públicos. Mais do que isso, deixaram à mostra sinais fortes de fraude.
O fato de militantes do PCdoB povoarem a direção de ONGs irrigadas pelo ministério com dinheiro do contribuinte denuncia o crime político-financeiro, para o qual era imprescindível haver a conivência da cúpula do ministério.
Como já acontecera, no governo Dilma, nos Transportes, na Agricultura e no Turismo. E continua a ocorrer em algumas outras pastas, prováveis futuros escândalos.
Os estatutos do PCdoB estabelecem que o bom comunista continua a obedecer a determinações do partido mesmo em cargos públicos.
Sintomático que Aldo Rebelo tenha declarado que ministro é função de Estado. Já tem missão para adotar na prática a interpretação correta de cargo público: rever todos os convênios assinados pelo ministério.
Dilma não evitou a participação calorosa na festa de Orlando Silva, mesmo com o ex-ministro acionado pelo Ministério Público Federal, na companhia do antecessor, Agnelo Queiroz, junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Tampouco o fato de a Controladoria Geral da União (CGU) cobrar do ministério a comprovação de gastos de R$ 49 milhões feitos em convênios a partir de 2006 constrangeu a presidente.
Na essência, o mesmo comportamento ocorreu em demissões anteriores, em que a presidente se derramou em elogios ao PR de Alfredo Nascimento e ao PMDB de Wagner Rossi e Pedro Novais.
A própria Dilma, na festa de Orlando, deu a chave da charada: “Perco um colaborador, mas preservo o apoio de um partido cuja presença no meu governo considero fundamental.”
É devido a esta visão, pela qual vale tudo para manter a base parlamentar, que Dilma resolve ela própria envergar a saia justa de fazer mudanças necessárias no ministério, mas com o risco de deixar tudo na mesma.

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