domingo, 6 de novembro de 2011

BENDITA HERANÇA MALDITA!


de Claudio Bittencourt*

Nunca antes na história deste país um presidente da República recebeu do
antecessor condições tão benditas quanto Luiz Inácio Lula da Silva, o Lula.
Não acredita? Então vamos lá, do princípio. Tudo começou quando um jovem
fidalgo português, de nome Pedro Álvares Cabral, partiu de Lisboa em busca das
Índias (com I maiúsculo!) nos idos de 1500... Ok, ok, vamos pular essa parte.
Passou-se o tempo, o Brasil foi descoberto, a independência declarada, a
escravidão abolida, a República proclamada, a ditadura instaurada e a democracia
restaurada – em tese. Após muita instabilidade política e um breve período de vacas
gordas, o Brasil mergulhou na ‘década perdida’, como ficaram conhecidos os anos
oitenta do século XX, que combinava estagnação, hiperinflação e uma sucessão
interminável de crises e planos econômicos fracassados. Foi aí que um presidente
da República chamado Itamar Franco, assessorado pelo ministro da Fazenda,
Fernando Henrique Cardoso, o FHC, lançou, em 1994, mais um plano de
estabilização da moeda, o Plano Real. Só que esse, ao contrário dos anteriores, deu
certo, a despeito da oposição de Lula e do seu partido, o PT, que, entre outras
imprecações, o taxaram de eleitoreiro.
Os anos que se seguiram foram muito difíceis para o Plano Real, que quase
deu com os burros n’água. Pode-se imaginar o que seja superar décadas de cultura
inflacionária e enfrentar e corrigir as distorções acumuladas em tão longo período de
desvario econômico. Mas o que tinha que ser feito foi feito, na medida do possível,
às vezes aos trancos e barrancos, mas foi feito. Para começar, na esteira do Plano
Real veio o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema
Financeiro Nacional, o Proer, com o propósito de restabelecer a solidez e a
credibilidade do sistema financeiro, grandemente abaladas pela novel estabilidade
da moeda. Na era pré-Real, os bancos se viciaram em inflação, droga alucinógena
da qual tiravam a maior parte dos seus ganhos. Domado o dragão inflacionário, os
bancos foram atacados por uma terrível síndrome de abstinência, privados que
estavam daquela cachacinha cotidiana (inflação = 1,2% ao dia!). Segundo dados do
Banco Central, 22 deles sofreram intervenção/liquidação em pouco mais de um ano.
Lula e o PT foram radicalmente contra, conseguiram até uma liminar suspensiva na
Justiça, felizmente cassada. O Proer foi tão bem-sucedido que até hoje o nosso
sistema financeiro é considerado um dos mais sólidos do planeta, tendo passado
incólume pela crise de 2008. Na ocasião, Lula, o indefectível, estufou o peito e
cantou de galo para o seu colega americano: “O Brasil tem know-how para salvar
bancos. Tem o Proer. Se eles americanos precisarem podemos mandar tecnologia”.
Reconhecimento tardio? Ato falho? Não, empáfia mesmo.
Se petistas e afins implicaram com o Proer, imagine-se o que não fizeram
com o Programa de Incentivo à Redução da Presença do Estado na Atividade
Bancária, o Proes, uma espécie de Proer dos bancos estaduais. Aí, além das
costumeiras imprecações, valeu de tudo, até chute na canela, cusparada na cara e
cotovelada em praça pública. A situação desses bancos, que já não era boa antes
do Real, tornou-se insustentável com a estabilização da moeda. Ignorando
solenemente as mais elementares regras de boa administração bancária e de
prudência financeira, os bancos estaduais tinham por hábito emprestar aos seus
controladores, os governos estaduais, sem garantias e até ao arrepio de leis e
regulamentos. Financiando os déficits públicos a fundo perdido e muitas vezes sem
lastro, eles eram, em última análise, verdadeiras máquinas de fazer dinheiro, uma
ameaça real ao Plano Real – ameaça que se multiplicava ad nauseam em ano de
eleição. O nó górdio estava de tal modo embaraçado que o desenrosco não poderia
ficar restrito à ponta bancária da meada. Era necessário mais, muito mais, era
preciso envolver os governos endividados em programas de ajuste fiscal sérios e
acima de tudo duradouros. Os entes federativos foram então instados a aderir ao
Programa de Reestruturação Fiscal e Financeira dos Estados, por meio do qual o
governo federal assumia os passivos estaduais, tomando por garantia as receitas
futuras e os repasses do Fundo de Participação dos Estados. Exigia, em troca, a
adoção de medidas de austeridade, entre elas a desestatização dos bancos
estaduais e a privatização das empresas públicas deficitárias. Desestatização!!?
Privatização??! Aaarg!! - Lula e o PT, mais uma vez, radicalmente contra. A
“repactuação das dívidas estaduais”, como ficou conhecido o programa, foi lembrada
recentemente, quando economistas de renome internacional recomendaram solução
idêntica para a crise da dívida européia. Mais uma vez a velha Europa se curvou
diante do Brasil, e dessa vez não foi por causa do futebol, nem da beleza, do
charme e da simpatia da mulher brasileira.
Como coroamento das medidas moralizadoras pós-Real, foi promulgada, na
virada do milênio, a Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF, que veio disciplinar a
gestão financeira dos entes federativos (União, Distrito Federal, estados e
municípios) não apenas no âmbito do Executivo como do Legislativo e do Judiciário.
Ganhou a transparência, perdeu a gastança irresponsável. Quem foi radicalmente
contra? Ora, os de sempre, Lula e o PT. Eles até ajuizaram Ação Direta de
Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (na linguagem das siglas: o PT
ajuizou ADI no STF contra a LRF do FHC). Diga-se a propósito que ainda hoje eles
procuram brechas por onde enfiar um pé-de-cabra jurídico e arrombar a lei.
Note-se o tanto que se avançou, em apenas 6 anos, no sentido de tornar a
gestão pública brasileira menos esculhambada, em todas as esferas. Embora muito
ainda estivesse por ser feito, o pontapé inicial fora dado.
A despeito dessas iniciativas meritórias, o Brasil permanecia vulnerável a
turbulências internas e externas. Foram realmente difíceis os primeiros anos do
Plano Real, com a eclosão de três graves crises internacionais: México em 1995,
Sudeste Asiático em 1997 e Rússia em 1998. E para completar, uma esdrúxula
moratória mineira, em janeiro de 1999, decretada por ninguém menos que o ex-presidente Itamar Franco, patrono do Plano Real – até tu Brutus? Uma paulada atrás
da outra! Assim não há plano econômico que aguente. A economia brasileira foi alvo
de sucessivos ‘ataques especulativos’ e quase que a vaca foi para o brejo. Salvou-a
o Rhum Creosotado. Brincadeira, salvaram-na a maxidesvalorização do Real de
1999 e a reformulação da política econômica, que passou a assentar-se no tripé
câmbio flutuante, metas de inflação e superávit primário. Acrescente-se a essa
tríade a autonomia factual concedida ao Banco Central.
Como de hábito, Lula e o PT foram radicalmente contra. Para eles, superávit
primário foi a maneira que o governo malvado e neoliberal do tucano FHC encontrou
de tirar dinheiro dos pobres para entregar à ‘banca’.
Nada a lamentar. Depois de 20 anos de desempenho medíocre da economia,
havíamos, finalmente, encontrado a saída. Os instrumentos de política
macroeconômica então adotados, aliados ao fortalecimento do sistema financeiro,
ao saneamento das contas públicas e às regras de austeridade fiscal, haviam
formado o alicerce que nos permitiria alcançar a prosperidade nos anos vindouros.

Após duas décadas de vacas magras, estávamos com tudo pronto para ingressar no
período das vacas gordas.
Então, que vengam las vacas!
Não, ainda não. Uma ameaça pairava no ar. Lula, o indefectível, era
candidato pela 4ª vez à presidência da República, desta feita com chances reais de
vitória. Pelo histórico do personagem, era de se esperar que, uma vez eleito,
pusesse em prática tudo aquilo que não se cansava de bravatear Brasil afora. Ou,
pior, tudo que preconizava o programa do seu partido. Céus, o que seria de todo
aquele arcabouço econômico-financeiro-legal, penosamente construído nos últimos
anos, com grande sacrifício do povo brasileiro? Sabe lá Deus! O ‘mercado’, que não
sabia, entrou em polvorosa. À medida que o tempo passava, as eleições se
aproximavam e a vantagem de Lula se firmava, as bolsas despencavam, a inflação
disparava e as divisas externas se esfarinhavam.
Aí, num golpe de mestre, Lula escreveu (Lula escreveu!?) um documento
chamado Carta ao Povo Brasileiro, supostamente com a intenção de acalmar o
mercado e, de quebra, cooptar a classe média indecisa. O texto, um tanto repetitivo,
é também descosturado, não segue uma sequência lógica de raciocínio. Os
parágrafos se sucedem ignorando-se uns aos outros, pulam de alhos para bugalhos
sem a menor cerimônia, vagam erráticos da visão crítica sobre a situação presente a
antevisões paradisíacas do porvir, saltam para as aspirações populares, tecem
comentários superficiais sobre algum fato econômico, citam reformas muito
necessárias à modernização do país, informam uma ou outra intenção do futuro
governo, destacam a importância das ações sociais, mergulham novamente na
avaliação crítica, citam mais algumas reformas, abordam an passant a política
internacional e tornam a enfatizar o descalabro em que o país se encontra metido
por culpa das más intenções dos atuais governantes. Uma colcha de retalhos. No
meio de tudo, destaca-se uma entidade mítica, denominada ‘modelo’, citada sete
vezes (conta de mentiroso) ao longo do texto. O modelo esgotou-se, o modelo
fracassou, o modelo isso, o modelo aquilo... Somos enfaticamente convencidos de
que o ‘modelo’, seja lá isso o que for, é o grande culpado por todos os males que
nos afligem. Mas, aleluia, sob Lula, tudo será resolvido com um modelo novo,
zerinho, que nos trará a tão sonhada felicidade. E como será esse modelo estalando
de novo? Nada é muito claro nesse sentido, mas, pinçando aqui e ali, toma-se
conhecimento de que Lula pretende aprofundar as ações de cunho social, preservar
as instituições, respeitar os compromissos firmados pelo país, perseverar no
combate à inflação, no controle das contas públicas, no equilíbrio fiscal e, heresia
das heresias, manter a política de superávit primário.
Mas esse é o programa que aí está, ora pitombas! Onde foram parar os
discursos inflamados das portas de fábrica? Onde foi parar a indignação contra as
privatizações, o Proer, o Proes, a LRF e tudo mais que esse governo corrupto e
neoliberal do FHC inventou para tirar dinheiro dos pobres e entregar às elites?
Morreram na praia?
Claro que não, continuam vivíssimos até hoje, mas só na retórica, não nas
ações de governo, como se verá adiante.
Voltando aos propósitos da Carta. Conforme dito, ela teria a intenção de
acalmar o mercado e cooptar a classe média indecisa. Quanto a esta, tudo bem, a
classe média, como sabemos, gosta mesmo de emprenhar pelos ouvidos. Tanto
que, àquela altura da marcha eleitoral, já pendia para a candidatura lulista. Mas o
mercado, convenhamos, nunca deu bola para discurso pré-eleitoral; ele tem os seus
próprios parâmetros, muitas vezes insondáveis, e os petistas sempre souberam
disso. Se assim era, por que assumir compromissos opostos ao ideário tão
ferrenhamente defendido em anos e anos de militância política? A menos que o
ideário de Lula não fosse bem aquele que ele trombeteava nos palanques. Mas
quem será capaz de dizer qual é o ideário de Lula? Acho que nem ele mesmo – haja
vista o que pensa de si próprio: metamorfose ambulante.
A razão secreta dessa aparente incoerência é que Lula sabia, seja por
conhecimento próprio, seja por que fora convencido pelos assessores mais próximos
(posso apostar que aí tem o dedo do Palocci) que o tal ‘modelo’ (novo ou velho, que
diferença faz?) tinha uma boa chance de dar certo. Claro, desde que um governo
desastrado não metesse os pés pelas mãos. Um rápido balanço da situação
indicava isso. O Brasil de Itamar e FHC tinha feito direitinho o dever de casa,
abandonando as aventuras heterodoxas e perseguindo o receituário ortodoxo,
penoso mas eficaz. Alguns indicadores econômicos vinham sofrendo piora nas
últimas semanas, mas isso era mera consequência do pânico que se instalara no
mercado ante a provável vitória dos petistas nas urnas - nada que o tempo e a
reversão das expectativas não pudessem resolver. O importante é que o Plano Real
havia passado por provas severíssimas e conseguira sobreviver; a estabilidade da
moeda era um fato, estava consolidada. É certo que algumas reformas ainda
estavam por ser feitas, mas elas não eram assim tão urgentes. No que diz respeito a
fatores externos, era visível que a economia americana passava por uma fase de
desaceleração, ainda abalada pelo estouro da ‘bolha da internet’, mas também nada
preocupante. Em compensação, despontava na Ásia, recém admitida na
Organização Mundial de Comércio, a gigante China, com um apetite incomensurável
por commodities. Pesados os prós e os contras, valia a pena apostar nos
fundamentos econômicos do jeito que estavam. Assim se faria no início do mandato.
Depois, se alguma coisa desse errado, a culpa seria posta neles mesmos, os
fundamentos econômicos herdados do FHC, e só aí se partiria para uma virada de
mesa, perfeitamente justificada. Uma ruptura imediata seria um salto no escuro
totalmente desnecessário, incompatível com personalidades tão lúcidas e argutas
como soem ser os próceres petistas, capazes de jogadas de longo alcance, bem
estudadas, diligentes, estratégicas, estruturadas, pacientemente ensaiadas. Não é
mesmo? Alguém convenceu alguém lá dentro – quem disse que não há vida
inteligente no PT?
E a militância, tão aguerrida, tão consciente dos seus ideais, como é que fica
numa encruzilhada dessas? Aí entra em cena a Carta ao Povo Brasileiro. Mais do
que acalmar o mercado e cooptar a classe média, a Carta tinha também o propósito
de amansar os companheiros mais extremados, ansiosos que estavam por
desmontar e jogar no lixo as iniciativas neoliberais do facinoroso FHC – justamente
aquelas iniciativas que agora se pretendia preservar. Ou seja a Carta se propunha a
agradar a gregos e a troianos. Melhor dizendo, agradar a uns e enganar a outros.
Com certeza essa dicotomia explica não só a pobreza da obra como a coexistência
de tantas contradições num texto tão curto. Para não despertar a ira dos radicais,
nada melhor que o palavrório de sempre, mas sem carregar muito nas tintas, que é
para não espantar o outro lado. E, principalmente, tudo deveria ser feito sem creditar
mérito ao inimigo, quer dizer, aos governos anteriores, que seria o mesmo que
render-se aos seus argumentos, algo verdadeiramente impensável, passados mais
de vinte anos de proselitismo petista.
Deu certo, a militância nem percebeu a jogada - ou fingiu não perceber.

Esconder o mérito foi a parte mais fácil do plano, bastou maquiar dados e
fatos, arte na qual Lula mostrou-se mestre insuperável. No caso em tela, foi só
vender o novo e entregar o velho. Foi o que se fez na Carta ao Povo Brasileiro.
Depois de desqualificar o modelo existente, falar cobras e lagartos da situação em
que o país se encontrava, e repetir à exaustão que um novo modelo era preciso, o
documento sugere, ainda que de forma meio envergonhada, as linhas gerais do que
seria o modelo novo – igual ao velho, sem tirar nem por.
A essa altura dos acontecimentos, Lula já emitia, antes mesmo de assumir o
poder, os sinais de que se apossaria do mérito pelos anos frutuosos que estavam
por chegar. Tudo bem, se fosse apenas uma jogada eleitoral para consumo interno
do PT. O diabo é que pegou gosto pela coisa e adotou-a como estratégia política.
Mais do que isso, como estratégia de vida, levando às últimas consequências a
técnica goebbeliana de repetir uma mentira à exaustão, até que pareça verdade.
Assim nasceram a “herança maldita”, o “nunca antes na história deste país” e outros
chavões da retórica lulopetista. No seu delírio de grandeza, Lula terminou por
assenhorear-se não apenas daquele mérito, mas de todos que lhe aprouveram,
passados, presentes e futuros. Nesse afã, não teve escrúpulos em passar uma
esponja na História do Brasil, declarando-se inventor de tudo que existe de bom
neste país, desde os tempos daquele jovem fidalgo português que partiu em busca
das Índias etc, etc. Aos adversários, creditou a conta de tudo que é ruim. A julgar
pelos níveis de popularidade que alcançou, conseguiu convencer as massas – o que
se há de fazer?
Que extraordinário poder de convencimento tem o Lula! Das duas uma, ou é
iluminado por Deus, ou tem parte com o Capeta - não há meio termo. Cada
brasileiro que escolha o lado que lhe fala mais alto ao coração.
Antes que eu me esqueça. Eu gostaria muito de me orgulhar de um brasileiro
que veio lá de baixo, do Agreste pernambucano, a bordo de um pau-de-arara,
enfrentou todo tipo de privações, conheceu a fome e a miséria, começou a vida
como simples operário, galgou todos os obstáculos e chegou ao posto mais alto do
meu país. Ah, como eu gostaria! Não posso negar que às vezes me orgulho sim,
mas aí penso um pouquinho e caio na realidade. O orgulho vira decepção, a
decepção vira desgosto e o desgosto vira indignação.
- Brasil, não poderia ter sido um filho teu um pouco menos velhaco?
Voltando ao foco. Enfim, o tal modelo novo não apresentava novidade
alguma, como de fato não as apresentou até hoje, passados 9 anos de governo
petista – sinal de que era bom! Estão aí os instrumentos de política macroeconômica
que não me deixam mentir: o câmbio flutuante, o regime de metas de inflação e o
mal-falado superávit primário. Até a autonomia do Banco Central foi mantida, a
despeito de ter sido a única instituição a levar um (discretíssimo) puxão de orelha no
texto do Lula. Estão aí também os frutos das execradas privatizações, nenhuma
delas revertida, nem sequer contestada na justiça. Continua aí o programa de
repactuação das dívidas estaduais, em pleno funcionamento, assim como a Lei de
Responsabilidade Fiscal, a despeito das tentativas frustradas de desvirtuamento. E
estão aí os frutos do Proer e do Proes, também jamais questionados, senão da
boca pra fora.
Bem examinada a questão, constata-se que Lula, se não desfez o que estava
feito, tampouco criou algo novo para melhorar o Brasil. Nem sequer as reformas
citadas na Carta foram executadas a contendo. No frigir dos ovos, o seu governo
apenas surfou na maré de prosperidade que bafejou os países emergentes e que,
no caso do Brasil, é fruto do empenho dos seus antecessores. Lula, se mérito teve,
não foi pelo que fez e sim pelo que não fez.
Mas ele promoveu a distribuição de renda, diminuindo as desigualdades
sociais e resgatando da miséria milhões de brasileiros, como nunca se fez antes na
história deste país - dirão os que optam pela versão divina do Lula.
Eu, que estou mais inclinado para a versão oposta, por ora não contesto, mas
pergunto quantos brasileiros melhoraram de vida porque a economia mundial
cresceu, quantos melhoraram porque o Brasil cresceu e quantos melhoraram por
conta das iniciativas do governo. Destes, convém distinguir os que ascenderam
graças a ações sociais, digamos, ortodoxas (exemplos clássicos: ações nos campos
da educação, saúde, habitação, saneamento, transporte público, inclusão digital,
etc) daqueles que saíram da miséria por vias heterodoxas, recebendo renda
diretamente do governo.
A transferência direta de renda ameniza um problema imediato, urgente, mas
não pode ser um fim em si. Para render frutos sociais tem que ser condicionada à
participação em outros programas, voltados para a educação e a saúde dos
assistidos bem como à sua inclusão na sociedade. Caso contrário vira esmola, que é
a pior coisa que pode acontecer. “...uma esmola a um homem qui é são/Ou lhe mata
de vergonha ou vicia o cidadão” – já dizia o Rei do Baião, um pernambucano que
sabia das coisas.
Ademais, vista pela ótica macroeconômica, tal distribuição carece de
sustentabilidade. Se nos períodos de expansão ajuda a azeitar a economia, em
épocas de fraco desempenho surte o efeito contrário. E aí as coisas se complicam,
pois a economia é cíclica, como sabemos desde os tempos bíblicos. Sem falar no
risco, sempre presente, de descambar para o assistencialismo paternalista de cunho
eleitoreiro.
De um programa de distribuição de renda podemos dizer que será benfazejo
se levar as pessoas à porta de saída e, ao contrário, será nefasto se aprisioná-las
nas fronteiras da miséria.
E aí está o X da questão: no que diz respeito a essa importantíssima
distinção, os números ainda estão por ser conhecidos no Brasil.
O que se conhece, e assim mesmo precariamente, são os números de uma
outra distribuição de renda, oficiosa, não oficial, cujo público alvo não são os
excluídos da sociedade e sim os companheiros, os aliados, os amigos e os
familiares. Corrupção é o seu nome.
Mas esse é um outro capítulo da contribuição de Lula para a deseducação
dos brasileiros.

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