segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

"QUE MERDA É ESSA?"

de Martha Neiva Moreira, O Globo

O protesto de um pequeno grupo ligado ao movimento negro contra o irreverente enredo do bloco Que Merda É Essa?!, que ironiza os exageros do "politicamente correto" e satiriza, entre outros temas, a tentativa de censura a um livro de Monteiro Lobato no ano passado, foi considerado por intelectuais, pesquisadores e profissionais ligados ao carnaval como uma atitude boba, insensata e mal humorada, que foge ao espírito libertário da folia.

Anteontem, quando o bloco ensaiava em Ipanema para o desfile do próximo domingo, pouco mais de 20 pessoas, com camisetas e cartazes dizendo que "o racismo vai desfilar no carnaval", panfletaram para os foliões cópias do parecer de 2010 do Conselho Nacional de Educação (CNE), já vetado pelo ministério, que classifica o livro "As caçadas de Pedrinho" como racista.

Para as personalidades ouvidas, quem faz o protesto é desinformado sobre a figura do autor e sobre o espírito que rege a festa de Momo.

— Carnaval é festa do inusitado, momento da liberação. Não cabe ter conotação política nem ser censurado desta forma — disse Hiram Araújo, pesquisador e autor do livro "Carnaval: seis milênios de história".

Para justificar sua posição, o pesquisador se vale do simbolismo que a festa tem desde a sua origem, nas Dionísias gregas e Saturnálias de Roma:

— Na época das festas que deram origem ao carnaval, os escravos tomavam o lugar, simbolicamente, de seus senhores e saíam pelas ruas atirando detritos nas pessoas. Era permitido a eles ter um privilégio que não tinham no resto do ano. A ideia de que tudo pode durante o carnaval vem daí.

O escritor e pesquisador Ricardo Cravo Albin engrossa o coro contra a manifestação e diz que ficou particularmente incomodado com a incapacidade de quem protesta de entender que a forma como Monteiro Lobato se refere aos seus personagens retrata o costume de uma época:

— Isso é patrulha ideológica. Cresci lendo Lobato e acho injusto dizer que ele era racista. Em seus livros, ele sempre tratou com dignidade e correção qualquer personagem. Se usa alguns termos em seus livros ou constrói seus personagens de um jeito ou de outro, é porque na época em que os escreveu era assim que a sociedade entendia aquelas figuras. É uma idiossincrasia mal humorada e extemporânea.

Nenhum comentário:

Postar um comentário