domingo, 6 de março de 2011

PALESTRANTE OU CAMELÔ?


editorial do Estadão

Não chega a ser novidade ex-governantes aceitarem contratos muito bem remunerados para falar para plateias selecionadas. O sucesso dessas palestras depende sempre, é claro, daquilo que o orador é capaz de oferecer e também daquilo que interessa ao contratante que seja dito a seus convidados.

Normalmente essas palestras giram em torno de política internacional, comércio exterior, meio ambiente, economia – enfim, temas relevantes que costumam frequentar a agenda dos governantes. Pode parecer piada, portanto, a notícia de que um ex-presidente da República se tenha dado ao desfrute de ser contratado para proferir uma palestra destinada a motivar vendedores de eletrodomésticos!

Pois foi exatamente o que fez Luiz Inácio Lula da Silva para inaugurar sua nova e promissora carreira de ex-presidente-palestrante. Por um cachê estimado em 200 mil reais, Lula falou por cerca de 40 minutos (5 mil reais, ou mais de nove salários mínimos por minuto), em São Paulo, a uma plateia de cerca de mil pessoas anunciadas como empresários do setor varejista. Na verdade, a maior parte era composta de funcionários, geralmente vendedores, da patrocinadora do evento, a multinacional sul-coreana LG.

O tema central foi o potencial de consumo dos novos segmentos da população brasileira incorporados ao mercado pela política social e econômica do governo petista: “Quando a gente distribui, as pessoas vão consumir. E vão comprar os produtos da LG, logo, logo”, garantiu o ilustre palestrante.

Haverá quem diga que não há nada de errado no fato de um ex-presidente transformar-se em garoto-propaganda de um fabricante de televisores. Mas, aparentemente, o próprio Lula não tem muita certeza disso. Não há outra maneira de explicar a precaução tomada por ele de só permitir que os jornalistas tivessem acesso aos minutos iniciais de sua fala, quando leu um texto de enaltecimento de seu governo. Em seguida os repórteres foram convidados a se retirar e Lula passou a fazer aquilo para o que estava sendo pago.

Falou de improviso, fez piadas, contou casos e encheu a bola de sua contratante: “A LG apostou no Brasil”. A cada menção ao nome da empresa, e foram muitas, a plateia aplaudia animadamente. Foi tudo testemunhado por um repórter da Folha de S.Paulo que conseguiu permanecer o tempo todo no recinto.

Nos primeiros 15 minutos, limitando-se ao texto escrito, Lula repetiu frases de exaltação a seu governo, na conhecida linha do “nunca antes neste país”: “Vinte milhões de pessoas saíram da pobreza e outros 36 milhões entraram para a classe média. É mais gente trabalhando e consumindo”. E enfatizou que é preciso lutar para que o povo brasileiro “continue sendo governado por gente que pensa em todos, e não apenas em uma parte”. Não deixou claro em que categoria incluía a plateia, supostamente de homens de negócios, que o aplaudia.

Muito bem pago para falar bem de si mesmo, Lula não se fez de rogado e logo criou a oportunidade de repetir uma de suas proezas prediletas, a da “marolinha”: “Quando veio a crise econômica de 2008, eu disse que ia ser uma marolinha e fui achincalhado porque estava menosprezando a crise”. E arrematou, triunfante: “Quando chegou a crise, em 2008, já tínhamos lançado o Programa de Aceleração do Crescimento em 2007 e, portanto, já estávamos com um programa de desenvolvimento para o Brasil”.

Já na hora de vender o peixe da contratante, quando se imaginava que já não havia mais jornalistas presentes, visivelmente mais descontraído Lula demonstrou bom domínio da técnica de palestras motivacionais, entremeando textos lidos com improvisos bem humorados.

Estabeleceu uma relação entre suas realizações no governo – no caso, a eletrificação rural – e o empenho da contratante em trabalhar com alta tecnologia, produzindo aparelhos de televisão de “ultima geração”: “Você está trazendo a pessoa do século 18 para o século 21. Está tirando do candeeiro para ela comprar uma TV de três dimensões aqui!”. E assim Lula passou aos vendedores de eletrodomésticos seu indiscutível know-how no trato com a classe média emergente.

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