terça-feira, 28 de dezembro de 2010

LARGA O OSSO!

Miriam Leitão, O Globo

Não faz sentido agradecer a um governante pelo respeito às regras democráticas. É obrigação. Portanto, não estou entre os que exaltam o presidente Lula pelo fato de ele não ter tentado permanecer. Até ele vê assim. "Se você pede o terceiro mandato, quer o quarto, se pode pedir o quarto e por que não o quinto? Aí você está criando uma ditadurazinha", disse ontem Lula aos jornalistas.

Houve artigos nesses dias de balanço que ressaltaram, como um dos grandes méritos do presidente Lula, o de ter respeitado as regras democráticas e de não ter pleiteado um terceiro mandato. Como se tivesse dependido unicamente de sua vontade. Teria que ser feita uma emenda à constituição e isso, certamente, detonaria uma reação forte da sociedade.

O Brasil não é a Venezuela. Passamos por caminhos diferentes. Com todos os defeitos que tem o sistema político brasileiro, a democracia aqui foi uma dolorosa conquista. Minha convicção é que mesmo sendo um governante popular, ao fim do mandato, Lula poderia ter sido derrotado em sua tentativa de mais um mandato.

Uma reeleição é comum em inúmeras democracias, um terceiro mandato já é um continuísmo intolerável. O presidente Hugo Chávez manipulou as instituições e minou a democracia, por isso tem conseguido a reeleição perpétua, a "ditadurazinha".

Outro mérito de Lula teria sido o de ter mantido a política econômica do governo anterior. Foi de fato importante: para o país, para a estabilidade econômica, mas principalmente para ele mesmo. Dificilmente Lula teria conseguido mais um mandato em 2006 se a inflação tivesse voltado a subir. Se o escândalo do Mensalão tivesse encontrado o país com patamares altos de inflação, certamente a história teria sido outra.

As tentativas de confundir o que foi o caso de corrupção foram tantas, que é preciso lembrar. O Mensalão não foi o único escândalo no governo do partido que, durante 20 anos, se apresentou como sendo o guardião da ética na política, mas sem dúvida foi o pior. A corrupção foi confirmada na CPI, na investigação do Ministério Público, no voto do ministro Joaquim Barbosa e na aceitação do voto pelo plenário do Supremo Tribunal Federal.

Dinheiro sem origem comprovada era distribuído a deputados da base governamental, num esquema alimentado por um publicitário que prestava serviços ao governo, e o denunciante foi um deputado da base parlamentar. Até o publicitário da campanha de Lula em 2002, Duda Mendonça, admitiu no Congresso ter recebido em dinheiro vivo ou em contas no exterior. Lula se debate contra os fatos mudando as versões há cinco anos. Primeiro, disse que foi um fato banal. Depois, se disse traído. Distanciou-se do PT. Mais recentemente, alegou que foi uma tentativa de golpe da oposição, e depois, que foi um caso de erro da imprensa como o da Escola Base.

A verdade é que foi um caso espantosamente grave de corrupção. Se ele tivesse explodido no meio de uma economia desorganizada pela volta da inflação, certamente, Lula não teria tido condições políticas de conquistar mais um mandato.

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