domingo, 5 de julho de 2009

MINEIRO PENHORAVA A ALMA


O compromisso era bem claro: deve, não nega, pagará quando puder e, enquanto isso não é feito, fica como garantia a própria alma do devedor. Era essa a lógica da figura jurídica conhecida como “ação de alma”, comum nos séculos 18 e 19, em que um juramento deixava penhorado um dos valores mais caros aos cidadãos da época, em uma espetacular mistura dos mundos religioso, civil e econômico. “A arte de bem morrer condicionou aspectos fundamentais da vivência do barroco nas Minas Gerais do setecentos”, conta a historiadora Cláudia Coimbra do Espírito Santo, que se especializou no assunto.

“A crença na salvação da alma e o medo da perdição eterna moldaram o comportamento de homens e mulheres na região mineradora. Sendo assim, o imaginário católico permeou as relações políticas, econômicas e sociais”, explica. Ela encontrou processos de “ações de alma” no Museu da Inconfidência, em Ouro Preto, na Casa Setecentista, em Mariana, no Arquivo Judiciário, em Pitangui, na Torre do Tombo, em Lisboa, e em São Luís do Maranhão.

As ações funcionavam assim: um suposto credor procurava o juizado civil, solicitando que o devedor fosse chamado em juízo para contestar a dívida ou jurar pela sua alma que iria pagar. Se o réu não aparecesse, era julgado à revelia, valendo o juramento do credor declarando a dívida. Se o réu aparecesse e, eventualmente, negasse o débito, prevalecia o juramento dele, ou seja, o suposto credor era desautorizado. “Se o devedor jurar que não deve, o autor da ação é condenado a pagar as custas”, informa a historiadora.

A historiadora, que fez dissertação de mestrado sobre o assunto e está aprofundando as pesquisas no doutorado, supõe que venha desse tipo de ação a expressão “endividado até a alma”.

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