Goste-se ou não de Lula, de sua carreira, de seus equívocos e de suas realizações, parece não haver dúvida de que o ex-presidente é titular de uma vida por todos os títulos extraordinária.
Mas seu rancor, seu ressentimento, sua permanente impressão de que não é aceito, sua insistência em ver-se vítima de “preconceitos sociais”, sua insistência em proclamar, obsessivamente, os próprios feitos e méritos, sua tendência a dividir o Brasil entre “nós” e “eles”, de enxergar conspiração contra seus feitos e confundir oposição ao lulo-petismo com ser “contra o país” só encontram explicação em profundos manuais de Psicologia.
Lula precisa urgentemente de uma terapia de grupo — como diria um amigo meu, ele e um grupo de terapeutas.
Trajetória espetacularmente vitoriosa
Como já escrevi antes, pouca gente, muito pouca, entres os quase 7 bilhões de habitantes da Terra, podem ostentar uma trajetória tão espetacularmente vitoriosa — do migrante nordestino que veio de Pernambuco para São Paulo ainda criança, seguindo a mãe e uma penca de irmãos rumo a um pai que já havia providenciado uma segunda família, ao líder que mudou radicalmente o sindicalismo brasileiro, desafiou a ditadura, fundou do quase nada um partido político, fez, aconteceu, sofreu três derrotas eleitorais consecutivas mas finalmente chegou ao Palácio do Planalto, de onde governou 8 anos e se tornou o presidente mais popular da história “deste país”.
Como se isso fosse pouco, resgatou do absoluto anonimato uma candidata a presidente que, para sucedê-lo, ele carregou nas costas, comício por comício, e em cada programa do horário eleitoral, até que obtivesse uma vitória estrondosa contra um político sólido e experimentado.
Dirigente incensado no mundo todo
Tem mais ainda: com falhas e defeitos como presidente — alguns gravíssimos, no terreno da moralidade pública — evidentes e devidamente apontados no Brasil mas pouquíssimo levados em conta no exterior, se tornou um dirigente respeitado mundialmente, incensado pela grande mídia internacional, aclamado em toda parte — seja na China ou em Wall Street, no clube de muito ricos que é o Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, ou nas quebradas mais miseráveis da África, em diferentes rincões da América Latina ou no Oriente Médio.
Além de tudo, o antigo pé-rapado tornou-se um homem rico. Ganha fortunas com suas palestras mundo afora, há tempos mora bem, dispõe de todos os confortos que a vida pode proporcionar.
Tudo isso — volto a escrever — parece pouco para Lula.
Vejam sua tumultuada visita de ontem à Universdade Federal da Bahia (UFBA), onde foi receber um título de doutor honoris causa. Deixemos de lado a baderna feita por um grupo de algumas dezenas de estudantes que fazia uma manifestação, resolveu ver, ouvir e até pedir autógrafo ao ex-presidente e acabou protagonizando um desrespeitoso empurra-empurra — mesmo para Lula, acostumado a singrar multidões.
Falando bem do próprio governo
Como os estudantes realizavam manifestação pró-aumento do percentual do PIB destinado à educação, Lula considerou justa a reivindicação, mas lá veio o homem falar bem de seu próprio governo. “Nós fizemos 14 universidades federais novas, 126 extensões universitárias, 214 escolas técnicas, um Reuni e ainda o Prouni”, enumerou.
Sobre a honraria oferecida pela Universidade, Lula disse já ter aceitado precisamente 67 títulos como esse. “E vou continuar aceitando os que me forem oferecidos”, afirmou.
E aí, em mais um cenário de sua permanente glorificação, veio à tona a bílis de sempre:
– Certamente existe uma parcela da elite retrógrada deste País que não se conforma. Se eles souberem que vou receber, no dia 27, o título de doutor honoris causa da Sciences Po Paris (Instituto de Ciências Políticas de Paris) é que eles vão ficar doentes. Eu serei o primeiro latino-americano a receber esse título.
Quem é, afinal, a “elite retrógrada”?
Quem, exatamente, não se conforma com essas homenagens? Onde estão as manifestações? Por que Lula não cita um nome, um político, um jornal, uma revista, um jornalista que haja protestado ou ridicularizado diante dessa ou outras honrarias?
Que “elite retrógrada” é essa? As elites adoram Lula. Os banqueiros, por exemplo, nunca ganharam tanto dinheiro na vida como durante os oito anos do lulalato. O ex-presidente é recebido de braços abertos, quase aos beijos, em entidades como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que frequenta com assiduidade e cujo presidente, aliás, filiou-se ao PSB, partido aliado ao do ex-presidente. Na Universidade, os sindicatos de professores babam diante de Lula e de suas ideias.
Quem é, então, essa elite? De onde procede?
O livro sobre seu governo — e, de novo, um cutucão em FHC
Mas, na solenidade, ainda houve espaço para mais manifestações de azedume e ciumeira. Durante seu discurso, Lula também disse ter a intenção de fazer um livro sobre seu governo. E aí seguiu-se o veneno e o descaso:
– Todo ex-presidente que acaba de deixar o mandato em seis meses está com um livro pronto. Eu resolvi que não era correto eu mesmo fazer um livro, porque o livro de um ex-presidente nunca vai ser verdadeiro.
Lula, como sempre faz, visava unica e exclusivamente o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, alvo de sua perpétua e paranoica preocupação, que só a Psicologia explica. “Todo ex-presidente” que deixa o poder “está com um livro pronto?”
De onde Lula tirou essa bobagem, essa desinformação absoluta?
Quem são esses ex-presidentes?
O único ex-presidente no último meio século que lançou livros foi JK, assim mesmo com texto do escritor Carlos Heitor Cony. Nada escreveram sobre seus governos Jânio, Jango, Castello Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel, Figueiredo, José Sarney, Fernando Collor ou Itamar Franco. O único ex a escrever suas memórias políticas foi FHC — “A Arte da Política — A História que Vivi” (Editora Civilização Brasileira, 2006, 700 páginas), relato denso e bem recebido. E não foi “seis meses depois”, mas em abril de 2006, três anos e quatro meses depois de deixar a Presidência, e após um árduo e meticuloso trabalho.
Finalmente, para arrematar, uma grosseria dirigida a um ex-chefe de Estado que não caberia em outro ex-chefe de Estado que tivesse alguma educação:
– Não sei se vocês leram o livro do [ex-presidente americano Bill] Clinton. A Monica Lewinsky [estagiária da Casa Branca com quem Clinton teve um caso] não está lá. Um livro meu também não ia contar tudo – e eu não ia fazer um livro para contar apenas o que vocês já leram no jornal.
Lula anunciou um livro em que “várias pessoas” darão depoimentos sobre seu governo. “Nós vamos fazer um livro impessoal, nós vamos colocar a sociedade para dizer o que foram os oito anos do governo Lula.”
“A sociedade” vai ser entrevistada para o livro de Lula.
A mania de grandeza, colossal, indomável, se soma à amargura, ao rancor, ao despeito, à necessidade compulsiva de proclamar a própria grandeza.
Lula, já disse e repito, é caso para grandes especialistas em Psicologia, Psicanálise e afins.
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