segunda-feira, 8 de novembro de 2010

"CONVERSÃO TARDIA DA PRESIDENTE", D. EUGENIO SALES


Por Alfredo Junqueira, no Estadão:

O cardeal e arcebispo emérito do Rio de Janeiro, d. Eugênio Sales, que completa 90 anos hoje, lamentou o que chamou de conversão tardia da presidente eleita, Dilma Rousseff, na reta final da campanha eleitoral. O religioso disse temer a pressão que grupos favoráveis à descriminalização do aborto e aos direitos dos homossexuais farão sobre a presidente. “Espero que o compromisso, que ela assumiu, ela possa cumprir.”

Apesar de classificar o homossexualismo como “anormalidade” e dizer que uma de suas preocupações no mundo é a China, d. Eugênio nega ser conservador ou reacionário. Cita como exemplo a ajuda que deu a “milhares” de refugiados de ditaduras sul-americanas e a animosidade que sofreu de militares brasileiros por se opor à tortura de presos políticos. O cardeal repudia abusos cometidos por padres contra crianças, mas compara as denúncias de pedofilia a campanhas difamatórias nas quais o Vaticano foi acusado de conivência com o Holocausto. Nascido em Acari, no Rio Grande do Norte, d. Eugênio foi ordenado padre aos 23 anos. Aos 33, já era bispo e tornou-se cardeal aos 48. Para ele, seu mérito foi a fidelidade à Igreja.

Como o sr. acompanhou esse processo eleitoral em que a questão religiosa entrou de forma tão enfática no debate?
Sou inteiramente contrário ao aborto e à exaltação dos homossexuais. Casamento de homem com homem é um erro. Sou contra, mas sempre digo que é importante ter paciência com as pessoas. É uma aberração da natureza. Mas não se pode jogar pedra.

O que o sr. achou desses temas terem sido usados pelos candidatos?
Lamento que isso tudo tenha acontecido e também lamento a conversão forçada da presidente eleita. Na véspera da eleição, ela declarava “não sei se é válido”, tinha uma posição. Mas também não digo se ela está sendo ou não sincera. Achei que poderia haver recuo. Graças a Deus, parece que não está acontecendo isso.

Houve uma conversão forçada da presidente eleita?
Não posso julgar a pessoa. Não sei dizer. Trato bem, mas sem elogios.

Como o sr. avalia a situação do mundo hoje?
O mundo é feito de homens e os homens são limitados. Eles assumem posições que nunca levam à concórdia. Tem muita coisa difícil ainda. A China, por exemplo. Ainda é um regime marxista.


E quanto ao posicionamento do papa Bento XVI?
Ele foi bem. Disse que os bispos tinham razão em ensinar a verdade. Acho também. Não havia motivo de causar espécie.

O sr. está completando 90 anos de vida e 67 de sacerdócio. O que foi mais importante para o sr. nesse período?
É difícil distinguir umas coisas de outras. Mas eu acho que foi a fidelidade e a dedicação total à Igreja. Eu acho que esse foi o ponto que marcou. Acho que sou uma pessoa muito normal. Não sou excepcional.

O sr. considera ter sido patrulhado pela esquerda no Brasil?
A esquerda não me tolerava. Para eles, eu era conservador, golpista.

Dos momentos mais importantes da história recente do País, o que mais marcou o sr.?
Passei por momentos difíceis. Nos anos 70, um argentino veio pedir abrigo. Rezei para decidir o que fazer. Como cidadão, não podia abrigá-lo, já que ele fugiu de outro país. Mas, como pastor, tinha a obrigação. Foram milhares (de refugiados acolhidos). Uns 5 mil. Isso gerou animosidades, mas é motivo de satisfação na minha vida pastoral.

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