O Instituto Millenium entrevistou o historiador Marco Antonio Villa sobre a corrupção do sistema político brasileiro e a impunidade, que, na opinião do especialista, ameaça o sistema democrático e inibe manifestações que contestam os acontecimentos políticos. Há, no Brasil, uma descrença na democracia? A participação civil na política brasileira se restringe às eleições, de dois em dois anos?
Villa criticou a falta de mecanismos que permitam uma reação popular à política no país e considera as novas tecnologias, como redes sociais, e até as novelas, importantes formas para discutir e contestar os governantes do Brasil.
Leia:
Instituto Millenium: Qual o impacto da recente onda de corrupção para a percepção da política?
Marco Antonio Villa: Estamos vivendo um dos piores momentos da história do Brasil republicano. Há uma sucessão de denúncias com gravações, documentos, coisas que são consideradas em qualquer país democrático como provas. O pior de tudo é que não há qualquer apuração e muito menos punição dos envolvidos e a cada semana ou a cada quinzena um novo caso é divulgado. O processo não anda, não chega a julgamento, e você acaba fortalecendo a impunidade e com a impunidade. Sem a punição aos que desviam os recursos públicos, estimula-se mais desvios e nós ficamos nessa bola de neve. Desta forma, a política passa ser sinônimo de corrupção, a ideia de enriquecimento rápido - o que é péssimo para a democracia. Assim, nós estamos afastando dezenas, centenas de jovens que gostariam de ter uma participação ativa na política, mas não o fazem com receio de se misturar com esses corruptos que dominam os partidos políticos. Grande parte deles tem lideranças corruptas com políticos (que passaram até pela presidência da república) envolvidos em gravíssimos atos de corrupção e, o que é pior, sem que tenham sido punidos por isso. Isso é muito grave. Mais corrupção, mais impunidade significa menos democracia.
Imil: Tais fatos podem gerar uma descrença na democracia, afastando ainda mais a população da política?
Marco Antonio Villa: Nós vivemos um momento sui generis. Não há um Estado autoritário, mas há um status autoritário no Brasil. As pessoas estão passivas porque não encontram conduto legal para manifestar sua insatisfação. Não é que elas estejam concordantes, em absoluto. Porém, não há mecanismos institucionais pra que elas possam manifestar sua profunda insatisfação frente à impunidade. E a democracia acaba virando um exercício a cada dois anos, simplesmente pelo voto. Porque a participação no decorrer da vida política entre as eleições não ocorre. Os partidos políticos são fechados, as câmaras municipais, assembléias legislativas e o congresso nacional também o são. A sociedade civil não tem espaços efetivos de participação e decisão nos grandes negócios públicos. Então nós temos um regime com eleições sucessivas, há alguma alternância, porém em relação à participação efetiva do cidadão e interesse pela política – que é fundamental para a formação de uma sociedade democrática – infelizmente nós vivemos, volto a dizer, um dos piores momentos da história do Brasil republicano.
Imil: Como mudar esse quadro?
Marco Antonio Villa: Existem vários caminhos. Um seria através das eleições, na hora do voto, ver se o seu candidato está comprometido com a sociedade que ele almeja – uma sociedade democrática em que a corrupção não seja o grande tema nacional. Ou seja, ter responsabilidade na hora do voto e ao identificar um candidato que tem propostas que ele considere boas, o eleitor deve divulgar para seus amigos, de alguma forma se comprometer com aquele candidato no momento da campanha e depois, caso o candidato seja eleito, cobrar dele efetivamente o programa pelo qual foi eleito. Outro caminho é a própria sociedade se organizar em grupos na forma de trabalho comunitário, institutos, sociedades que defendam os princípios básicos da democracia, da transparência, da honestidade no exercício das funções públicas. Outro, ainda, é o protesto através dos meios de comunicação, jornais, rádio e TV, todos esses querem contato com o ouvinte ou telespectador, então devemos usar esse espaço também para protestar. No caso das Assembléias Legislativas, Câmaras Municipais ou Congresso Nacional há o email do vereador, do deputado ou do senador: escrever e protestar. Também através das redes sociais, como já está começando a ser feito e já foi realizado com eficácia em outros países, criar mecanismos de reflexão, debate e ação.
O que não é possível é que a cada semana surja um escândalo que substitua o anterior sem que o anterior tenha sido resolvido. Os escândalos no Brasil tem prazo de validade, não porque eles são apurados mas porque aparece outro escândalo. Depois de uns três quatro meses ninguém lembra mais. Como disse o célebre jornalista Ivan Lessa, a cada 15 anos esquecemos o que aconteceu nos últimos 15. Nós temos um processo de esquecimento e apagamento da história com uma enorme facilidade, o que é extremamente danoso para a democracia brasileira.
Imil: Há uma novela bastante popular no ar atualmente que trata do tema da corrupção, inclusive com o corrupto sendo punido. O senhor acha que isso influencia a opinião pública? É uma abordagem eficaz de alguma forma?
Marco Antonio Villa: Acho que as novelas brasileiras são extremamente importantes e tem um papel de apresentação do Brasil em outros lugares do mundo. Alteraram a novela latino-americana que eram dramalhões e começaram a ter temáticas urbanas, discutir questões políticas, morais, éticas etc. Isso desde os anos 70 em pleno regime militar, basta lembrar a célebre novela de Dias Gomes, “O Bem Amado”. Lembro-me de uma delas próximo a eleição do presidente Fernando Collor, chamada “Vale-Tudo”, que terminava com o bandido da história indo embora do Brasil depois de ter feito as maiores falcatruas. Acho que isso é muito mais real do que aparecer qualquer forma de punição ao corrupto. Se a novela está fazendo um diálogo com a vida real ela tem de mostrar a impunidade. Se não se cria a idéia de que o bem sempre vence e infelizmente no Brasil o mal está ganhando de goleada.
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