fonte: revista Isto É
O engenheiro gaúcho Valter Luiz Cardeal de Souza é o diretor de Planejamento e Engenharia da estatal Eletrobras, maior empresa de energia elétrica no país. Pragmático e influente, tem fama de possuir mais poder do que o cargo sugere. Empresários do setor, executivos de grandes empresas e a elite da burocracia tratam Cardeal como o “homem da Dilma”, referência às estreitas ligações políticas, profissionais e pessoais entre ele e a candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff. Cardeal entrou para o setor público em 1971, quando se tornou funcionário da Companhia Estadual de Energia Elétrica do Rio Grande do Sul (CEEE). Cardeal e Dilma se aproximaram durante o governo de Alceu Collares (1991-1995), quando ela era secretária de Energia do Rio Grande do Sul e ele diretor da CEEE. Desde então, ele se tornou homem de confiança de Dilma no setor elétrico.
Em 2007, Cardeal foi denunciado pelo Ministério Público Federal por gestão fraudulenta e desvio de recursos com base nas descobertas da Operação Navalha, da Polícia Federal, que investigou irregularidades em obras públicas. Sob a proteção de Dilma, manteve-se apesar disso firme no governo federal. Foi presidente do Conselho de Administração de Furnas e da Eletronorte, outras duas estatais federais. Como diretor de Planejamento e Engenharia da Eletrobras, é responsável por projetos bilionários do sistema Eletrobras, como o programa de incentivo ao uso de energias alternativas, conhecido como Proinfa. Cardeal ainda acumula o cargo de presidente do Conselho de Administração da Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica (CGTEE), uma subsidiária da Eletrobras. Por causa desse segundo emprego, o nome de Cardeal aparece em um dos maiores escândalos da área de energia no governo Lula.
ÉPOCA teve acesso a uma ação de indenização por danos materiais e morais apresentada contra a CGTEE em agosto deste ano na 10ª Vara Cível de Porto Alegre pelo Kreditanstalt für Wiederaufbau (KfW) – um banco de fomento controlado pelo governo da Alemanha, uma espécie de BNDES germânico que foi criado na época da reconstrução do país depois da Segunda Guerra Mundial. Nessa ação, o KfW afirma ter evidências de que Cardeal teria conhecimento, desde o início, da emissão de garantias ilegais e fraudulentas, para que duas empresas privadas brasileiras obtivessem um empréstimo internacional no valor de e 157 milhões destinados à construção de sete usinas de biomassa de geração de energia no Rio Grande do Sul e no Paraná. Para o banco que empresta o dinheiro, essas garantias forneceriam um atestado de que, se o devedor não pagasse, alguém – no caso a CGTEE – funcionaria como fiador e arcaria com essa responsabilidade. Só que essas garantias, dadas em nome da CGTEE, violavam a Lei de Responsabilidade Fiscal, no artigo que proíbe empresas do governo de dar aval internacional a empresas privadas. Esse artigo determina que elas não podem funcionar como fiadoras nesse tipo de empréstimo. Ele foi incluído na lei para evitar o descontrole no endividamento das empresas estatais em moeda estrangeira e para impedir que o patrimônio do Estado seja colocado em risco. Todo gestor público experiente deve saber dessa proibição.De acordo com o KfW, a então ministra, Dilma Rousseff, tomou conhecimento do negócio em 30 de janeiro de 2006, durante um seminário, em Frankfurt, sobre investimentos em infraestrutura e logística no Brasil. “Até mesmo alguns políticos conheciam os fatos, como a então ministra, Dilma Rousseff”, afirma a ação. Ao processo, os advogados do KfW anexaram documentos do seminário. Dilma, na época ministra da Casa Civil, foi inscrita como chefe da equipe da Presidência do Brasil (leia abaixo a reprodução do programa do seminário). As garantias da operação, de acordo com o banco, foram discutidas num dos fóruns do seminário de que ela participou. Na apresentação do negócio a Dilma, o KfW diz ter informado que a operação ainda tinha o desafio de obter as garantias. Em seguida, apresentou uma saída: “Solução: emissão de garantia de pagamento por uma subsidiária, com patrimônio suficiente, da empresa governamental de energia Eletrobras”.
Das sete usinas previstas – três da Winimport e quatro da Hamburgo –, cinco nunca saíram do papel. As outras duas constam dos registros da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o órgão regulador do mercado, como de propriedade da Winimport. Uma, no município paranaense de Ignácio Martins, ainda estaria em obras. A outra, em Imbituva, no Paraná, já estaria gerando energia. Visitas da reportagem de ÉPOCA às duas unidades, no entanto, revelaram situações diferentes. O projeto de Ignácio Martins está inconcluso. O mato tomou conta do canteiro de obras. A Aneel já multou a Winimport por atraso no cronograma dessa usina, cuja autorização data de novembro de 2004. A usina de Imbituva, um município de 28 mil habitantes, tem aparência de abandono, com apenas uma guarita de vigilância. A obra foi aprovada pela Eletrobras dentro do Proinfa, o programa destinado a incentivar o uso de energia alternativa no país. O dinheiro que fora emprestado para a construção das usinas teve outro destino.
O KfW descobriu a fraude em 2007, quando a Winimport deixou de quitar parte do financiamento. Na ocasião, o banco alemão procurou a CGTEE para cobrar as garantias, nos termos previstos na documentação dos empréstimos. Foi informado de que a estatal não tinha conhecimento desse aval. Isso motivou uma sindicância pela CGTEE e o fato foi comunicado à Polícia Federal. Naquele ano, uma investigação da PF, denominada Operação Curto-Circuito, constatou a fraude nas garantias, o sumiço do dinheiro e o envolvimento de nove pessoas. Elas foram presas depois de investigações em que a PF, com autorização judicial, obteve acesso a sigilos bancário, fiscal e telefônico e realizou buscas e apreensões. Em 2007, a PF enviou o relatório final da apuração à Justiça Federal no Rio Grande do Sul. Atualmente, todos respondem a processo, acusados dos crimes de formação de quadrilha para a prática de delitos contra a administração pública, corrupção passiva e ativa e estelionato.
Quatro dos acusados são ou foram militantes do PT gaúcho e desempenharam funções relevantes nos governos do partido. Um deles é o principal acusado do golpe, o engenheiro eletricista Carlos Marcelo Cecin, ex-diretor técnico e de meio ambiente da CGTEE. Os outros três ligados ao PT são: Joceles da Silva Moreira, ex-assessor jurídico da CGTEE; Alan Barbosa, diretor-presidente da Hamburgo e um dos representantes da Winimport nas negociações; e o engenheiro Iorque Barbosa, ex-presidente da Cooperativa Riograndense de Eletricitários.
A participação de Cecin e de outros petistas nessa gigantesca fraude internacional chama a atenção para um grupo que gravita em torno de Dilma desde os tempos em que a atual candidata do PT à Presidência militava na política gaúcha. Na gestão do governador Olívio Dutra, Cecin trabalhou na equipe montada pela secretária estadual de Minas e Energia, Dilma Rousseff, para comandar a Companhia Estadual de Energia Elétrica. A diretoria da estatal contava também com as participações de Cardeal e Márcio Zimmermann, atual ministro de Minas e Energia.
Em 2002, com a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a saída do PT do governo do Rio Grande do Sul, Dilma, Cardeal, Zimmermann e Cecin foram para o governo federal. Na diretoria técnica e de meio ambiente da CGTEE, Cecin se transformou no nome mais forte no comando da subsidiária da Eletrobras.Ao envolver Cardeal num escândalo internacional, o KfW atinge um dos nomes considerados certos num eventual governo Dilma. Essa poderá ser considerada a segunda grande baixa do time de confiança de Dilma. A outra foi a ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra, abatida por um escândalo de tráfico de influência e nepotismo no Palácio do Planalto
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